Parece que foi ontem quando peguei aquele avião para
Londres. O meu lugar na janela, e você sentado nele. Lembro que você se enrolou
todo pra verificar o número certo do seu lugar, que era bem atrás de mim.
Cheguei a Londres e fui direto para meu quarto no hotel. Naquele mesmo dia sai
para fotografar o Big Bang, e com quem esbarro na saída do hotel? Você. É,
sempre você bagunçando meu caminho. Você e seus cabelos loiros jogados no
rosto, com aqueles óculos Ray-ban pretos, sempre desajeitado. Você deixou suas
coisas caírem no chão, e se enrolou mais ainda para pegar. Você, todo
desajeitado, conseguiu se reerguer com livros e fotos de Londres debaixo dos
braços. Eu olhei pra você e pude ver as cinco pintas que você tinha no pescoço,
uma atrás da outra, na diagonal. Me apaixonei por elas na hora. Com seu jeito
tímido você pediu desculpas e saiu, com vergonha. Não sei por que, mas te
chamei pra tomar um café comigo no Starbucks. Você sorriu e vi que você usava
aparelhos. Você não respondeu nem que sim nem que não, mas peguei seu braço e
fui em direção a cafeteria. No Starbucks eu pedi um cappuccino e você pediu um
café bem forte. Começamos a conversar e você me contou que era pintor. Me
contou sobre a paixão por pontos turísticos e que sempre viajava para
pintá-los, como o Big Bang, a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade. O seu jeito
de falar era engraçado. Sua voz rouca me dava vontade de conversar mais e mais
com você. Tudo o que você perguntou sobre mim era meu nome. Mas eu te contei
que era fotografa, e que estava ali para fazer fotos para uma revista. Saímos
dali e fomos para o Big Bang. Você pegou sua máquina e começou a tirar fotos de
diferentes ângulos. Até que eu me intrometi em uma delas. Acho que você nem
reparou, porque continuou tirando muitas fotos, uma atrás da outra. Você me
levou ao meu hotel, e ficamos conversando durante horas e horas até chegar lá.
Nos despedimos, e você foi embora. Não, você tropeçou e ai sim foi embora.
Naquela noite eu fiquei pensando em você. Na sua voz. Na sua camisa listrada
com mancha de katchup. No tom rouco da sua voz. No seu all-star vermelho
surrado. Na sua calça jeans com manchas de tintas. E no jeito que você mexia no
cabelo enquanto falava. Não sei o que exatamente, mas algo em você me
interessava. Me atraía. Talvez fosse seu cheiro de chocolate. No dia seguinte
você estava na porta do meu hotel. Você usava uma blusa com o Cristo Redentor
pintado a mão. Te perguntei o que estava fazendo ali, e você disse que gostou
do Starbucks mas não lembrava como chegar lá, e queria que te levasse. Mas que
desculpa esfarrapada para me ver. Você sempre foi assim, não é? Fingi que
acreditava e levei você até lá. Quando eu ia saindo, você pediu pra eu ficar.
Disse que na verdade queria sair comigo de novo porque gostou de mim. Você
disse que meu perfume te fazia lembrar os vinhedos da Itália, seu lugar
favorito em todo o mundo. Nós então tomamos café e fomos conhecer Londres. A
cada passo que dávamos eu ia me encantando por você. Tornou-se rotina nos
encontrarmos na nossa estadia em Londres. Até que no penúltimo dia na cidade,
você me chamou pra ir ao seu estúdio improvisado, que você havia feito no seu
pequeno quarto do hotel. O chão estava coberto de jornais, as paredes com
lençóis, e várias telas espalhadas pela sala. Havia pinturas incríveis de
vários lugares de Londres, até mesmo do Starbucks. Havia uma tela branca com
uma xícara de café do lado. Você nunca perdeu essa mania de pintar tomando
café. Eu peguei um pincel, sujei de vermelho e arrisquei uns rabiscos. Você riu
da minha cara e sem querer derramou aquele balde de tinta azul em mim. Você
ficou todo nervoso e começou a pedir desculpas daí eu joguei tinta em você.
Você revidou. Ficamos nessa durante alguns minutos até eu deitar dando gargalhadas
no seu chão, e você fez o mesmo. Eu tomei banho no seu banheiro e você
emprestou uma camisa social azul que ficou enorme em mim. Fomos pro terraço do
hotel. Um Lugar lindo com cheirinho de rosas. Sentamos lado a lado e começamos
a falar do que faríamos depois que fossemos embora. Você iria para Paris e eu,
voltaria para o Rio de Janeiro. Há quanto tempo estávamos em Londres? Duas
semanas? Então há duas semanas nós estávamos saindo juntos para conhecer
Londres. E isso foi tempo suficiente para eu me apaixonar por você. Não foi
preciso beijo. Não foi preciso tentar impressionar. Não foi preciso encontros.
Só você. Seu jeito. Seu perfume. Suas manias. Só foi preciso isso para eu me
apaixonar. E era duro pensar que no dia seguinte iríamos para caminhos diferentes.
Foi anoitecendo e nós ainda estávamos ali, no terraço comendo morangos com
chocolate. Nós estávamos conversando sobre a época de escola. Você me contava
que um dia derramou tinta na diretora da escola, quando eu, por impulso (por um
pouco de vontade também) te beijei. Você ficou vermelho, lembra? Eu sorri pra
você e você voltou a me beijar. Sem dúvida alguma, o seu beijo foi a melhor
coisa que eu provei naquela viagem. Foi naquela noite que eu te contei que
gostava de você. E você me contou que já me observava desde o aeroporto. Onde
eu comprei um pote de Nutella, e cinco gibis. Você disse que quando me viu no
avião, pedindo pra se retirar do meu lugar, teve a certeza que se apaixonaria
por mim. Que viu em mim uma pessoa diferente. Um alguém que poderia enxergá-lo
como realmente é. Não como um doido todo sujo de tinta e desastrado. Te abracei
e disse a ti que você foi a melhor coisa que Londres me deu. A sua resposta foi
um sorriso. Dormi no seu apartamento. Com a sua camisa. Com seu cheiro. Com
você. No dia seguinte acordei bem cedinho, pois meu vôo sairia ao meio dia. Eu
coloquei minha calça jeans, continuei com sua camisa, escrevi um bilhete e
deixei grudado em seus óculos. Te dei um beijo de despedida. E aquilo foi
difícil pra mim. Eu queria continuar ali, em seus braços. Queria ficar ali
sentindo seu cheiro. Fiquei olhando seu rosto, enquanto passava as mãos em seus
cabelos quando uma lágrima escorreu em meu rosto. Te dei outro beijo, e fui
embora. Arrumei minhas coisas, paguei o que devia, e fui para o aeroporto com
vontade de ir para o seu hotel. No caminho para o aeroporto, passei pelos
lugares que você pintou e eu fotografei. Pude sentir seu cheiro de chocolate
ali. Pude ouvir sua risada. Pude ver seu sorriso metálico. Infelizmente, eram
só lembranças. No aeroporto, o meu vôo atrasou uma hora. Faltavam ainda 20
minutos para eu embarcar quando vi você correndo pelo aeroporto feito doido, me
gritando. Você começou a dizer que eu não podia embarcar. Que eu não podia ir
embora. Que você estava louco por mim, e que precisava da minha companhia.
“Você foi a primeira que vestiu uma camisa minha depois de dormir comigo. E
quero que seja a única.” Foi isso que você disse pra mim. E foi isso que me fez
desistir de ir embora. Você me fez uma proposta: viajaríamos o mundo, você
pintando e eu fotografando os lugares. Você pediu que eu ficasse com você. Você
disse que eu era a única coisa que queria levar de Londres. Ah, obrigada pelo
atraso, vôo! Nós compramos passagens para Paris naquela noite mesmo, mas antes
de irmos, você me levou ao seu quarto no hotel, e me mostrou uma tela branca,
coberta por um lençol. Quando descobri a tela, vi que você havia pintado aquela
foto no Big Bang que eu me intrometi. Você havia pintado naquela noite mesmo.
Ali, tive a certeza que te amava e que a única camisa que eu queria vestir
depois de dormir com alguém, era a sua.
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